sábado, 6 de novembro de 2010

Meu Deus, me dê a coragem

Clarice Lispector

"...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."

Para mim?

Cleide Canton

Ao lado do laço
um bilhete carinhoso.
Para mim?
(indaguei como se houvesse ali
outra com o mesmo nome).

Na curiosa ansiedade
abri o singelo cartão de filetes dourados.
"Para a mulher que amo,
neste dia qualquer
que somente é especial
porque ela existe".

Quem haveria de ser o anônimo admirador?
Ousado e galante...
Claro que, ainda ofegante,
desfiz o buquê
e arranjei as rosas
num lindo vaso craquelê.

Fitei-as, emocionada,
preocupada
em descobrir o remetente.
Algum pretendente?
Nas últimas semanas
havia conhecido muita gente.
Alguém diferente?

Resolvi acalmar o coração em festa.
Quem sabe, mais tarde
ainda me faria seresta!
O relógio andou
devagar demais para o meu gosto.
Dia feio
naquela tarde de agosto.

O sol encolhido
de qualquer vestígio despido
não colaborava...
Se não fosse pelas rosas
talvez eu até me sentisse acinzentada,
mas quem é que não se aqueceria
com uma carinhosa "cantada"?

Caprichei no jantar.
Havia algo a se comemorar.
O toque da campainha
trouxe-me emoção diferente.
Ajeito os cabelos e abro a porta.
Recebo meu filho todo sorridente:

- Mamãe! Gostou do presente?

Lavando a alma

Suzette Rizzo

De mim, chove solidão...
molha o rosto, a blusa, o chão.
De mim, surgem idéias iludidas
e vez ou outra uma inspiração.
Minha alma passeia no sono
abraçada aos meus motivos,
são encontros que me impulsionam
a outros pontos não mais vivos.
De mim, chovem todas as águas;
De rios, de mar, misturadas
e chove um medo cor de piche
e chove dor da cor do sangue.
De mim, chove a vida que carrego
outras que carreguei,
chove o que causei ontem
e bem antes de hoje ser.
De mim, chove agua filtrada
que rega meus verdes,
limpa o solo em que piso,
e lava o palanque
onde vomito o que sinto.

Mil sóis

Lara Cardoso

Ccorrerei com a enxurrada
como faz a meninada
em busca de um peixe colorido
para fantasiar os teus sonhos,
farei nascer o amor parido
e, apagar o terror medonho
de ver perdido
o sonho de menina apaixonada...

Abrirei os caracóis
que ficam, na mata, escondidos
para que possam ver o sorriso,
é o que preciso,
quando me vejo nos teus olhos
com o brilho de um raio de mil sóis....

Apocalipse

Túlio Roveda Durlo

Fuzilando vaza o espaço
o estilhaço irresponsável.
E no mesmo espaço vazando,
outro estilhaço fuzila
dando luz a guerra...
Pobre terra!

Na abóboda suspensa,
milhões aos milhões
despoluindo sem graça
a fumaça que ronda...
que passa desafiando.

Um bloco à gasolina
queimando água.
Portas que se abrem...
Rumos que se fecham!
É a guerra... pobre terra!

Uma pancada infernal...
Um barulho bruto
sem igual!
O mundo bate e volta...
(o mundo é uma bola)

Ventania que desce e sobe,
estufa o peito e assopra forte.
É gente valente caindo... é a morte!
Ventania que empurra
Puxa
Segura
Amarra
Desata
Ventania que inunda
Arranca
Afunda
Sufoca
Mata!
A vida parece à toa...
O mundo desconhece a razão
quando o perdão, não perdoa.

Sentimento Oceânico

Gabriel M. Ribeiro

Escreve o seu nome de pecador na areia
e guarde a pedra que jogaria na mulher;
abaixe a cabeça por altivez e sabedoria
enleve o olhar quando nada para ver tiver.

Se perceba solitário no centro do universo,
nade e naufrague quantas vezes quiser,
se afague e se esfole neste ego perverso
sinta-se meio homem, meio fera, como puder...

Cante salmos, pinte telas ou beba absinto,
e desaloje-se do fausto trono dos desejos,
veja-se, por este outro, em mundo distinto

Assuma-se autor destes atos de despejo
demita-se de Ser movido só por instinto
e silencie em vida sua morte, seu cortejo...

Encontros...

Lenine de Carvalho

Estranha alcatéia,
Tímida,
Esquiva,
Quase sempre incompreendida
Espalhada pelo mundo......
Mas,
Quando se encontram
Esses solitários Lobos-poetas
Se reconhecem!.......

Se assim o quiseres

©Sicouza

Será teu domingo,
Se assim o quiseres,
feito de luz e de Paz...
Se assim o quiseres,
haverá mais sol
brilhando no teu sorrir
Se assim o quiseres,
mais afeto terás,
Se assim o quiseres,
novos amigos virão
para enfeitar tua vida,
novas carícias ganharás...
Se assim o quiseres
tua vida se renovará!

Convite

Walter P. Pimentel

Vem, eu te convido
Mais que isto, proponho:
Embarca no meu sonho
Ser feliz não é proibido!

Sente no rosto a brisa que afaga
O ar quente da minha respiração
Que faz pulsar acelerado o coração
Ante o fogo que em mim se propaga

Envolve-me e me faz enlouquecer
Tentando sem conseguir entender
Por que jamais cedes
Cada palavra medes...

Quisera pudesses me aceitar e acolher
Provar o néctar do meu querer
Arder no meu calor e dizer, enfim
Se me amas ou apenas gostas de mim!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Naufrágio

Suzette Rizzo

Tanta coisa acontece
antes que o barco afunde
tantas vezes anoitece
e eu sem notar
que o dia surge.
Tantas decisões obrigatórias
tantos planos mal traçados,
nenhuma sorte,
nenhuma gloria
quase nada realizado.
Tantos sonhos despertados,
tantos danos acontecidos,
tantas coisas interrompidas,
quase tudo amortecido.
E o barco afundado,
o casco furado,
meu ser naufragado
no vil destino.

Serenidade

Ana Suzuki

Virei água morna,
que se recusa a ferver
e tampouco a esfriar.
E quero manter-me assim,
sem arrepios de gelo
nem tremores de fervura.

Virei rio de planície,
sem securas na vazante
ou desatinos na enchente.
Já não corro, só deslizo.
Entre lírios e serpentes,
eu deslizo.

In Bodas de Coral)
Campinas (SP) – Brasil

Silêncio

Elane Tomich

Num ponto mínimo
da linha do horizonte,
retalho de tempo
fração de vírgula
lágrima, onda ínfima,
ali, a sombra imola o sol.
É mister calar o vento
mensageiro das fontes
de segredos do atol
dos degredos, dos medos
das musas , das cruzes
da infértil víbora
a que devora luzes...

...até o renascimento
da expansão dos tempos
hora de ângelus.

Exílio de mim ...

Jane Botti
(Vim avisar da minha decisão
e explicar sem culpa,
o porque da minha reclusão.)


Percebi que passei a vida
sufocando minhas vontades
e nada mais combinava.
Perdida nas adversidades
tudo me desatinava.

Apostei com intensidade
na vitória da vida inglória,
perdi mais do que ganhei.
Com ímpeto fugaz
a verdade surgia e se perdia
nas emoções afloradas.

O olhar serviçal não combinava
com a consciência rebelde.
O grito sufocado da alma peregrina
desatinava o amor escasso
da existência desgarrada.

Ultrapassei todos os limites
da paciência subserviente.
Na censura impiedosa
encontrei a carência maldosa.
A insegurança sádica
do coração necessitado
terminou em demência inusitada.

O egoísmo explícito
da solidão complacente,
virou repressão obscena
do instinto fracassado
A inocente compulsão
virou frustração do corpo fatigado.

Os sonhos se perderam
no universo complexo
A liberdade pereceu
no silêncio forçado.

Por fim, amargurada e cansada,
decretei o fim do espetáculo,
sem aplausos, a cortina se fechou,
o exílio começou...fim de mim...

Texto registrado na Fundação da Biblioteca
Nacional do Ministério da Cultura do Brasil,
sob número 267.304, livro 479, fls.464.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aos desavisados

Suzette Rizzo

Essa luta pela vida que não cessa,
a Luz que não cruza os céus
ponta a ponta,
o cometa que não colide
o Bem que não se acerta.

E os conselhos não atendidos,
palavras sabias mal interpretadas,
perdão que ninguém aprende,
laços frouxos, desapegados...
Ah! Deus deve estar cansado.

Nem Cristo foi ouvido por inteiro
ou conseguiu dos terráqueos no todo
seguidores verdadeiros.

O grande amor

Paulo Monti

A dor pungente
Do grande amor:
As lágrimas,
Grossas,
Embaçam meu coração - que sangra -
Rasga-se o peito,
A paixão revivida!
Os momentos!
Intensos!
Espontâneos!
Um banho de rio,
Um par de alianças,
Um olho-no-olho,
Um saber mudo
E uma certeza
Da grandeza e força do grande amor.
Suspenso,
Adiado,
Afogado,
No tempo,
Na distância,
Guardado num canto do coração!

Precipitação

Maria da Graça Almeida

Não julgue
o peito pela gravata,
o ser pela data,
a voz pela boca,
a cabeça pela touca,
o fato pelos sentidos,
o cão pelos latidos.

Não rotule
o presente pela caixa.
o vinho pela garrafa,
o livro pelo autor,
a peça pelo ator,
o feito pelos perigos,
as dores pelos gemidos.

Não classifique
o homem pelo retrato,
o pão pelo formato,
a comida pelo prato,
o perfume pelo frasco,
a mulher pelos vestidos,
o casamento pelos maridos.

Seja lá o que for,
avalie apenas
quando sabedor
da massa que recheou
as profundezas
do espaço interior.

Decálogo do quando

Arnaldo Leles Ferreira

Quando lhe dão a "liberdade" das drogas,
dão-lhe a prisão do vício.

Quando lhe dão a crença em um santo,
dão-lhe dois demônios de brinde.

Quando lhe ofertam o prazer da beleza,
você ganha uma carcaça pra zelar.

Quando lhe são fartos os bens,
os maus, são-lhe um fardo.

Quando lhe dizem que é poética a pobreza,
as letrinhas miúdas dizem: escravidão social.

Quando lhe deixam ficar famoso,
você tem que se esconder.

Quando lhe dão o riso, obviamente
dão-lhe o pranto.

(Leve um amor!
Grátis uma dor.)

Quando lhe mandam correr atrás do tempo
no entanto, o tempo corre de você.

Quando lhe dão conselhos de graça,
você é contemplado com a desgraça.

Margaridas de Pedra

Rose de Castro

Não olhe para as pedras
Olhe o céu. Está sorrindo...
Amarelo, azul e branco
E o verde.
Não vê? Ainda resiste!...
Por toda a parte
Por entre as pedras, cresce
Teima em sobreviver
Respira o orvalho
E nasce molhado
Beijando o concreto
Empurrando dejetos

As pedras
Geram margaridas
Brancas e amarelas
Paridas de sua barriga
Aprendendo a ser mãe
De margaridas de pedras
E de concreto

O céu resiste
O sol persiste
O verde insiste
E as margaridas sobrevivem
em frente
à minha janela

Vê?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poeta

Suzette Rizzo

Vi castelos reconstruídos
e derrubados
em Nuremberg,
anjos tristes nos albergues
e vi o que me concede
o pequeno deus.
Vi gerânios-pendentes morrendo ao sol,
o final da preservação ambiental
rolando águas enlameadas.
Vi sonhos perdidos
por entre ideais derretidos
no fogo das almas.
E me vi num vasinho suspenso,
abortando lírios amarelos
e vi cactos gigantes,
exterminando o Grande cultivo.
Poeta,
eu vi Eloins
embalsamando versos.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Os deuses estão surdos

Suzette Rizzo


Os deuses todos de todos os tempos,
de todas as minhas anteriores crenças
abandonaram-me a alma
ao relento.

Não sei quantas vidas carreguei nas costas,
quantos inimigos fiz ao longo dos ciclos,
se tive colo, se houve apoio,
abrigo de algum tipo.

Vejo em mim criatura capaz
de longa essência maltratada
e sem duvida alguma
por erros cometidos.

Sinto algo dificultoso nos passos,
nos anos,
nas companhias,
nos amigos acontecidos.

Os deuses me assistiram,
o Deus atual assiste,
só não sei se os céus me ouvem
por mais que eu grite.

*July 19, 2009*