quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Naufrágio

Suzette Rizzo

Tanta coisa acontece
antes que o barco afunde
tantas vezes anoitece
e eu sem notar
que o dia surge.
Tantas decisões obrigatórias
tantos planos mal traçados,
nenhuma sorte,
nenhuma gloria
quase nada realizado.
Tantos sonhos despertados,
tantos danos acontecidos,
tantas coisas interrompidas,
quase tudo amortecido.
E o barco afundado,
o casco furado,
meu ser naufragado
no vil destino.

Serenidade

Ana Suzuki

Virei água morna,
que se recusa a ferver
e tampouco a esfriar.
E quero manter-me assim,
sem arrepios de gelo
nem tremores de fervura.

Virei rio de planície,
sem securas na vazante
ou desatinos na enchente.
Já não corro, só deslizo.
Entre lírios e serpentes,
eu deslizo.

In Bodas de Coral)
Campinas (SP) – Brasil

Silêncio

Elane Tomich

Num ponto mínimo
da linha do horizonte,
retalho de tempo
fração de vírgula
lágrima, onda ínfima,
ali, a sombra imola o sol.
É mister calar o vento
mensageiro das fontes
de segredos do atol
dos degredos, dos medos
das musas , das cruzes
da infértil víbora
a que devora luzes...

...até o renascimento
da expansão dos tempos
hora de ângelus.

Exílio de mim ...

Jane Botti
(Vim avisar da minha decisão
e explicar sem culpa,
o porque da minha reclusão.)


Percebi que passei a vida
sufocando minhas vontades
e nada mais combinava.
Perdida nas adversidades
tudo me desatinava.

Apostei com intensidade
na vitória da vida inglória,
perdi mais do que ganhei.
Com ímpeto fugaz
a verdade surgia e se perdia
nas emoções afloradas.

O olhar serviçal não combinava
com a consciência rebelde.
O grito sufocado da alma peregrina
desatinava o amor escasso
da existência desgarrada.

Ultrapassei todos os limites
da paciência subserviente.
Na censura impiedosa
encontrei a carência maldosa.
A insegurança sádica
do coração necessitado
terminou em demência inusitada.

O egoísmo explícito
da solidão complacente,
virou repressão obscena
do instinto fracassado
A inocente compulsão
virou frustração do corpo fatigado.

Os sonhos se perderam
no universo complexo
A liberdade pereceu
no silêncio forçado.

Por fim, amargurada e cansada,
decretei o fim do espetáculo,
sem aplausos, a cortina se fechou,
o exílio começou...fim de mim...

Texto registrado na Fundação da Biblioteca
Nacional do Ministério da Cultura do Brasil,
sob número 267.304, livro 479, fls.464.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Aos desavisados

Suzette Rizzo

Essa luta pela vida que não cessa,
a Luz que não cruza os céus
ponta a ponta,
o cometa que não colide
o Bem que não se acerta.

E os conselhos não atendidos,
palavras sabias mal interpretadas,
perdão que ninguém aprende,
laços frouxos, desapegados...
Ah! Deus deve estar cansado.

Nem Cristo foi ouvido por inteiro
ou conseguiu dos terráqueos no todo
seguidores verdadeiros.

O grande amor

Paulo Monti

A dor pungente
Do grande amor:
As lágrimas,
Grossas,
Embaçam meu coração - que sangra -
Rasga-se o peito,
A paixão revivida!
Os momentos!
Intensos!
Espontâneos!
Um banho de rio,
Um par de alianças,
Um olho-no-olho,
Um saber mudo
E uma certeza
Da grandeza e força do grande amor.
Suspenso,
Adiado,
Afogado,
No tempo,
Na distância,
Guardado num canto do coração!

Precipitação

Maria da Graça Almeida

Não julgue
o peito pela gravata,
o ser pela data,
a voz pela boca,
a cabeça pela touca,
o fato pelos sentidos,
o cão pelos latidos.

Não rotule
o presente pela caixa.
o vinho pela garrafa,
o livro pelo autor,
a peça pelo ator,
o feito pelos perigos,
as dores pelos gemidos.

Não classifique
o homem pelo retrato,
o pão pelo formato,
a comida pelo prato,
o perfume pelo frasco,
a mulher pelos vestidos,
o casamento pelos maridos.

Seja lá o que for,
avalie apenas
quando sabedor
da massa que recheou
as profundezas
do espaço interior.

Decálogo do quando

Arnaldo Leles Ferreira

Quando lhe dão a "liberdade" das drogas,
dão-lhe a prisão do vício.

Quando lhe dão a crença em um santo,
dão-lhe dois demônios de brinde.

Quando lhe ofertam o prazer da beleza,
você ganha uma carcaça pra zelar.

Quando lhe são fartos os bens,
os maus, são-lhe um fardo.

Quando lhe dizem que é poética a pobreza,
as letrinhas miúdas dizem: escravidão social.

Quando lhe deixam ficar famoso,
você tem que se esconder.

Quando lhe dão o riso, obviamente
dão-lhe o pranto.

(Leve um amor!
Grátis uma dor.)

Quando lhe mandam correr atrás do tempo
no entanto, o tempo corre de você.

Quando lhe dão conselhos de graça,
você é contemplado com a desgraça.

Margaridas de Pedra

Rose de Castro

Não olhe para as pedras
Olhe o céu. Está sorrindo...
Amarelo, azul e branco
E o verde.
Não vê? Ainda resiste!...
Por toda a parte
Por entre as pedras, cresce
Teima em sobreviver
Respira o orvalho
E nasce molhado
Beijando o concreto
Empurrando dejetos

As pedras
Geram margaridas
Brancas e amarelas
Paridas de sua barriga
Aprendendo a ser mãe
De margaridas de pedras
E de concreto

O céu resiste
O sol persiste
O verde insiste
E as margaridas sobrevivem
em frente
à minha janela

Vê?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Poeta

Suzette Rizzo

Vi castelos reconstruídos
e derrubados
em Nuremberg,
anjos tristes nos albergues
e vi o que me concede
o pequeno deus.
Vi gerânios-pendentes morrendo ao sol,
o final da preservação ambiental
rolando águas enlameadas.
Vi sonhos perdidos
por entre ideais derretidos
no fogo das almas.
E me vi num vasinho suspenso,
abortando lírios amarelos
e vi cactos gigantes,
exterminando o Grande cultivo.
Poeta,
eu vi Eloins
embalsamando versos.